24/01/2010

Paulo Diniz, Seu Zé.



Quantos churrascos e feijoadas e dobradinhas, Paulo Diniz não embalou em todas nestas últimas dæcadas? E quantos churrascos e feijoadas e dobradinhas, ou uma simples cerveja numa beira de lugar o grande Paulo Diniz ainda não há de soar canções n'outras dæcadas?

Apenas um Lugar Comum...



Nas estradas....



Um Chopp...



Ela passou,
Deixando um sorriso no chão
Deu um banho de beleza nos meus olhos
E aí começou o verão
Mil cores pintando o painel
Copacabana...

Ela parou,
Na loja de discos e escutou
A canção que eu fiz pra ela
A minha mensagem de amor
É tudo que eu tenho pra dar
Chorei de amor,
Eu sei, chorei de amor
E um chopp pra distrair...

Um chopp pra distrair,
Um chopp,chopp, pra distrair..

'Um chopp pra distrair'
Paulo Diniz
(em homenagem a seu aniversário)

Gonzaguinha é dose, Seu Zé!






Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

Comportamento Geral
Gonzaguinha

16/01/2010

405 anos de Dom Quixote!

Acabei de descobrir, por acaso e ventura, que hoje está completando 405 anos da primeira publicação de Dom Quixote de la Mancha. Segundo o Oráculo do XXI, o wikipédia:

"Dom Quixote de La Mancha (Don Quijote de la Mancha em castelhano) é um livro escrito pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616). O título e ortografia originais eram El ingenioso hidalgo Don Qvixote de La Mancha, com sua primeira edição publicada em Madrid no ano de 1605. É composto por 126 capítulos, divididos em duas partes: a primeira surgida em 1605 e a outra em 1615."
Não sei se a data 16 de janeiro é precisa. Já os anos 1605 e 1615, são. Mas isso é desimportante, aqui. Vejam o facsímile da primeira edição, que beleza:

Nos últimos dias tenho cogitado não ler absolutamente mais nada de "novo", por um bom tempo. Apenas reler tudo que já li até hoje. Quer dizer, "tudo", não. Mas, tudo aquilo que me foi significativo. E Dom Quixote está em primeiro lugar na minha lista. Não sei se serei bem-sucedido nessa empreitada, porque é a típica promessa que não se cumpre. Mas vou tentar, nem que seja em vão.

Com esse pensamento em riste, comecei a reler Dom Quixote. Nunca cogitei que a experiência de reler essa obra fosse ser tão boa. Dentro daquela linguagem travosa, difícil, pra poucos, nesse objeto de 609 páginas amarelecidas pelo tempo, de pequenas letras negras de serifas, tenho observado que esse livro é mais-mais (me falta um adjetivo) do que eu imaginei quando li a primeira vez, há 8 anos.

Antes de começar a releitura, abri uma página ao acaso. Cai na página 351, capítulo XI, da minha edição da Abril Cultural, intitulado "DA ESTRANHA AVENTURA QUE SUCEDEU AO VALOROSO DOM QUIXOTE COM O CARRO OU CARRETA DAS CORTES DA MORTE".

Logo no início, Sancho Pança mostra toda a sua espirituosidade. E Cervantes dá prova de que sua obra é merecedora do título de Literatura Universal.

"Extremamente pensativo, ia Dom Quixote seguindo o seu caminho e considerando na burla que lhe tinham pregado os nigromantes, com o transformarem a sua Senhora Dulcinéia na desastrada figura duma aldeã, e não imaginava que remédio se podia empregar para que voltasse ao seu primeiro ser; e estes pensamentos punham-no tão fora de si, que, sem dar por isso, soltou as rédeas a Rocinante, o qual, sentindo a liberdade que lhe concediam, a cada passo se detinha para pastar a verde relva que por aqueles campos abundava. Tirou-o Sancho Pança da sua distração, dizendo-lhe:
- Senhor, as tristezas não se fizeram para os brutos, e sim para os homens; mas se os homens sentem demasiadamente, embrutecem;"

Não sei se reler será melhor do que ler, porque a descoberta desse livro me criou um modo diverso de perceber as coisas todas do mundo, e foi uma leitura muito transformadora para mim.

Não apenas nos conteúdos, mas nas formas, mesmo, que é um livro de linguagem difícil, de colocações pronominais estranhas e de léxico não muito simples - esses elementos demandam um bom dicionário sempre ao lado, e leveza de leitura para não travar nas formas pouco usuais dos pronomes.

Certamente será uma experiência marcante, e os entendimentos podem ser mais profundos agora, tanto das formas quanto dos conteúdos - e vice-versa, que forma em si também é conteúdo.

Bem, se eu viver, verei.

09/01/2010

"Uma Faca só Lâmina"

(OU: SERVENTIA DAS IDÉIAS FIXAS)

por João Cabral de Mello Neto

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;

qual bala que tivesse um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.

A

Seja bala, relógio,
ou a lâmina colérica,
é contudo uma ausência
o que esse homem leva.

Mas o que não está
nele está como bala:
tem o ferro do chumbo,
mesma fibra compacta.

Isso que não está
nele é como um relógio
pulsando em sua gaiola,
sem fadiga, sem ócios.

Isso que não está
nele está como a ciosa
presença de uma faca,
de qualquer faca nova.

Por isso é que o melhor
dos símbolos usados
é a lâmina cruel
(melhor se de Pasmado):

porque nenhum indica
essa ausência tão ávida
como a imagem da faca
que só tivesse lâmina,

nenhum melhor indica
aquela ausência sôfrega
que a imagem de uma faca
reduzido à sua boca;

que a imagem de uma faca
entregue inteiramente
à fome pelas coisas
que nas facas se sente.

(1955)