23/02/2010

Uma escultura que vai pra cima...

Achei a imagem acima no blog A Poção de Panoramix, dos amigos Andrei Barros, Olívia Gomes e Severiano Miranda. Vou reproduzir abaixo o texto do post, antes que o servidor da Poção apronte mais uma daqueles de capitalismo das cavernas com os amigos, e suma com o conteúdo... (muito embora sinta que isso não mais vai acontecer, pois abandonaram, graças aos deuses-dos-bonssensos, o UOLHost - vulgo, "uólhorrost").

"Escadaria para o Paraíso, de Eugenio Merino"


A escultura Escadaria para o paraíso, de Eugenio Merino, foi exposta na ARCO 2010, uma Feira de Arte Contemporânea em Madri. É óbvio que visa a provocar polêmica, colocando, um em cima do outro, religiosos islamita, católico e judeu.

Não me pareceu plasticamente bonita a escultura, mas a idéia é interessante. O escultor, candidamente, diz que visou a representar as religiões no seu desejo da subida ao divino. Explicação boba e dissimulada, a meu ver.

As reações têm sido muitíssimo evidentes. A embaixada de Israel reclamou, associações islâmicas e um e outro sacerdote católicos reclamaram. Era isso que Merino queria, está claro, reações evidentes contra algo que, no fundo, não constitui ofensa alguma. Afinal, esses senhores referem-se todos ao mesmo deus!

Extraído em: http://apocaodepanoramix.com/2010/02/21/escadaria-para-o-paraiso-de-eugenio-merino-2/

21/02/2010

Entre Pirandello e Copérnico

O vídeo acima foi escolhido para acompanhar musicalmente este post. A música é Libertango, de Astor Piazzola, executada pelo violoncelista Yo Yo Ma. Recomendo que se inicie a música junto ao texto transcrito mais abaixo.

Há uns seis meses escrevi um ensaio sobre a quantidade imensa de inutilidades que são escritas por aí, em jornais e, mesmo, na academia. À guisa de tanta inutilidade, aqui neste post vai mais uma – que, ao menos, se pretende descontraída e não sem um pouco de humor e reflexão sobre a nossa posição no Universo.

Possivelmente alguns usarão um dos trechos da citação em mesas de bares, sobretudo o da “boa desculpa para bêbados”, e se o fizerem, tanto melhor, que o post não será de todo inútil – ou, pelo menos, menos inútil que muitas “obras” acadêmicas e jornalísticas que por aí se perde tempo a ler. E, se este post é inútil, no mínimo é um pouco menos por citar uma obra merecedora de atenção, embalada por uma bela música, além de expôr alguma reflexão sobre nós mesmos e nossos costumes.

É que descobri que na sexta-feira, dia 19/02, fez 537 anos que nasceu o astrônomo polonês Nicolau Copérnico, o homem que demonstrou que a terra girava em torno do sol, e que o planeta é redondo. A primeira relação que minha mente colocou em evidência foi o nome do escritor italiano, Luigi Pirandello. Mas o que um teria que ver com o outro? Bem, dentre muitas respostas, a que me soa pertinente, aqui, é uma passagem do livro O falecido Mattia Pascal, do próprio Pirandello.

Segue a passagem, de refinada ironia e profundidade marcante – do autor da também memorável obra Seis personagens à procura de um autor -, no contexto da arrumação que o Padre Elígio Pellegrinotto dava à biblioteca doada pelo Monsenhor Boccamazza ao seu município.

Vale alguns risos e qualquer reflexão para um fim de semana como o que se inicia hoje, sexta-feira, junto ao ano de 2010, que para muitos começa apenas na semana que vem.

“Assim, aos poucos, tomei gosto por esse tipo de leituras. Agora, Padre Elígio diz-me que meu livro deveria seguir o modelo desses que ele vai desencantando na biblioteca, isto é, ter o especial sabor que eles têm. Eu dou de ombros e respondo que não é tarefa para mim. E outra coisa ainda me retém.

Todo suado e empoeirado, padre Elígio desce da escada e vem respirar um pouco de ar fresco, na pequena horta que conseguiu fazer nascer aqui, atrás da abside, protegida, em toda a volta, por fasquias e puas de madeira.

- Ora, meu reverendo amigo – digo-lhe, sentado na mureta, o queixo apoiado no castão da bengala, enquanto ele cuida de suas alfaces. – Não me parece mais, o atual, tempo de escrever livros, nem por brincadeira. No que diz respeito à literatura, como a tudo o mais, devo repetir meu costumeiro estribilho: “Maldito seja Copérnico!

- Oh, oh, oh, que tem Copérnico a ver com isso?! – exclama Padre Elígio, erguendo o busto, o rosto afogueado sob o grande chapéu de palha.

- Tem, sim, Padre Elígio. Porque, quando a Terra não girava…

- Ora esta! Mas se sempre girou!

- Não é verdade. O homem não sabia disso e, portanto, era como se não girasse. Para muitos, ela continua a não girar também agora. Disse que girava, no outro dia, a um velho camponês; sabe o que ele me respondeu? Que era uma boa desculpa para bêbados. Aliás, o senhor também, tenha paciência, não pode pôr em dúvida que Josué fez o sol parar. Mas deixemos isto. Digo que, quando a Terra não girava e o homem, vestido de grego ou de romano, nela fazia boa figura, formando tão elevado conceito de si e comprazendo-se tanto com sua própria dignidade, acredito perfeitamente que pudesse ter acolhida favorável uma narração minuciosa e repleta de inúteis pormenores. Lê-se ou não se lê em Quintiliano, como o senhor me ensinou, que a História devia ser feita para narrar e não para demonstrar?

- Não nego – responde Padre Elígio -, mas, também, é verdade que nunca se escreveram tantos livros, tão pormenorizados, ou melhor, tão carregados das mais secretas minudências, como desde quando, no seu modo de dizer, a Terra começou a girar.

- Está bem: o senhor conde levantou-se cedo, às oito horas e meia em pontoA senhora condessa pôs um vestido lilás, ricamente guarnecido de rendas no pescoçoTerezinha estava morrendo de fomeLucrécia consumia-se de amor… Oh meu Deus do céu! Que importância isso pode ter para mim? Estamos ou não estamos num invisível piãozinho, para o qual um fio de sol serve de chicote, num grãozinho de areia enlouquecido, que gira e continua a girar, sem saber por quê, sem chegar nunca a destinação, como se achasse muito divertido girar assim, para fazer-nos sentir ora um pouco mais de calor, ora um pouco mais de frio, e, no fim, fazer-nos morrer (a miúdo, com a consciência de ter cometido uma série de pequenas tolices), após cinquenta ou sessenta giros? Copérnico, Copérnico, meu caro Padre Elígio, estragou a humanidade irremediavelmente. Agora, todos já nos adaptamos, aos poucos, à nova concepção de nossa infinita pequenez e a nos considerarmos menos do que nada, no Universo, com todas as nossas lindas descobertas e invenções. Que valor quer, então, que tenham as notícias, já não digo das misérias privadas, mas das nossas calamidades gerais? Histórias de minhocas, as nossas, agora. Leu a respeito daquele pequeno desastre nas Antilhas? Nada de importante. A Terra, coitada, cansada de girar, como quer aquele cônego polonês, sem qualquer finalidade, teve um pequeno movimento de impaciência e soprou um pouco de fogo por uma de suas muitas bocas. Sabe-se lá o que foi que lhe agitou essa espécie de bílis! Talvez a estupipez dos homens, que nunca foram tão cacetes como agora. Resultado: vários milhares de minhocas torradas. E toca para a frente! Quem fala mais nisso?

Padre Elígio Pellegrinotto, porém, faz-me observar que, por mais esforços que empreguemos no cruel intento de arrancar, de destruir as ilusões que a previdente natureza criou para o nosso bem, não o conseguimos. Por sorte, o homem distrai-se facilmente.

Isso lá é verdade. Nosso Município, em certas noites marcadas na folhinha, não manda acender os lampiões e, com frequência, se o tempo é nublado, nos deixa no escuro.

E isso significa, no fundo, que nós, ainda hoje, acreditamos que a lua esteja no céu tão-só para dar-nos luz à noite, tal como o sol de dia, e as estrelas, somente para oferecer-nos um maravilhoso espetáculo. Pronto. E, com muita frequência, esquecemos que somos átomos infinitesimais, passamos a respeitar-nos e admirar-nos reciprocamente e somos capazes de engalfinhar-nos por um pedacinho de terra ou de queixar-nos de certas coisas que, se estivéssemos compenetrados do que somos realmente, deveriam parecer-nos desprezíveis misérias.”

Trecho de “O Falecido Mattia Pascal”
Pág. 15-17 (Abril Culrural, 1978)

- Luigi Pirandello

17/02/2010

"Qual flor de uma estação"



Essa música, só porque é bonita.

Mata Virgem
Raul Seixas
Composição: Raul Seixas e Tânia Menna Barreto

Você é um pé de planta
Que só dá no interior
No interior da mata
Coração do meu amor
Você é roubar manga
Com os moleques no quintal
É manga rosa, espada
Guardiã no matagal
Qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor
Qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor
Úmida de orvalho
Que o sol não enxugou
Você é mata virgem
Pela qual ninguém passou
É capinzal noturno
Escuro e denso protetor
De um lago leve e morno
Teu oásis seu amor
Qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor
qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor
Úmida de orvalho
Que o sol não enxugou
Você é mata virgem
Pela qual ninguém passou
É capinzal noturno
Escuro e denso protetor
De um lago leve e morno
Teu oásis seu amor.

02/02/2010

Bob Dylan e a mudança dos tempos



Esse vídeo aí é raro. Aproveitem enquanto ele ainda está disponível... Rodei muito até achar uma versão dessa música que não estivesse com a incorporação desativada (o que impede de ouvir fora do youtube).

A música, "The times they are a-changin", está na bela trilha sonora do excelente filme Watchmen. A melodia é bonita, e a letra tem aquele tom político de um Bob Dylan embriagado de vaticínios de transformações sociais. Em termos de forma, a poesia assemelha-se um tanto aos repentes, centrados em um mote de fim de estrofe. Nesse caso, cada uma das 5 estrofes possui 10 versos e um 11º onde se repete o mote da "mudança dos tempos" - for the times they are a-changin...

"The times they are a-changin"

Come gather 'round people
Wherever you roam
And admit that the waters
Around you have grown
And accept it that soon
You'll be drenched to the bone.
If your time to you
Is worth savin'
Then you better start swimmin'
Or you'll sink like a stone
For the times they are a-changin'.

Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won't come again
And don't speak too soon
For the wheel's still in spin
And there's no tellin' who
That it's namin'.
For the loser now
Will be later to win
For the times they are a-changin'.

Come senators, congressmen
Please heed the call
Don't stand in the doorway
Don't block up the hall
For he that gets hurt
Will be he who has stalled
There's a battle outside
And it is ragin'.
It'll soon shake your windows
And rattle your walls
For the times they are a-changin'.

Come mothers and fathers
Throughout the land
And don't criticize
What you can't understand
Your sons and your daughters
Are beyond your command
Your old road is
Rapidly agin'.
Please get out of the new one
If you can't lend your hand
For the times they are a-changin'.

The line it is drawn
The curse it is cast
The slow one now
Will later be fast
As the present now
Will later be past
The order is
Rapidly fadin'.
And the first one now
Will later be last
For the times they are a-changin'.

Bob Dylan

PS:
Uma tradução de internet? Aqui.
Assista um trailler de Watchmen com a música, aqui.

Um curta: Tarantino's Mind



Se você gosta dos filmes de Tarantino, não pode deixar de assistir o curta aí de cima. Roteiro e direção: 300 ml. Atuações impagáveis de Selton Melo e Seu Jorge. Realizado em 2006.