31/07/2009

Um canto de Ossanha



Passeando pela internet, vi que dizem por aí que hoje é o "dia do orgasmo". Seja como for (data dessas capitalistas criadas por sex shops inglesas, ou captando o lado menos endinheirado da coisa) tá aí um canto de Ossanha (de Vinícius) no vídeo acima, com o violão mágico de Baden Powell.

15/07/2009

Walter Benjamin e o Angelus Novus

"Minhas asas estão prontas para o vôo,
Se pudesse, eu retrocederia
Pois eu seria menos feliz
Se permanecesse imerso no tempo vivo."
Gerhard Scholem, Saudação do anjo

9º Tese Sobre o Conceito da História
por Walter Benjamin

Há um quadro de Paul Klee que se chama
Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas.
O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés.
Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.
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O texto acima é uma das Teses Sobre o Conceito da História, escritas pelo alemão Walter Benjamin.
Quem cursou (como eu) as disciplinas de Teoria da História com o prof. Michel Zaidan, no curso de história da UFPE, sabe do que se trata...
Hoje seria aniversário de Benjamin. E o post é em homenagem a essa fantástica figura do pensamento no século XX.
Aqueles que tiverem interesse em conhecer um pouco mais sobre W. Benjamin e as teses do conceito de história, pode ler as considerações escritas pelo prof. da Unicamp, Pedro Paulo Funari. Basta clicar aqui.

06/07/2009

Pedaço de "O Mito de Sísifo" - Camus


"Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos.


No universo subitamente restituído ao seu silêncio, elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória.


Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal e desprezível.


No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte.


Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar."

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* Pedaço de O Mito de Sísifo - de Albert Camus

02/07/2009

A Hora dos Palhaços

Tudo corria bem na pelada daquele domingão, e o time de vermelho ganhava do time de preto. O juiz, de branco, acabara de validar um gol duvidoso do time de vermelho. Mas ninguém discutia mais. O gol valeu e fim de conversa, dissera o juiz, imponente, de branco.

Quando o time de preto se preparava pra bater o meio de campo, uma multidão de palhaços começara a invadir o lugar do jogo. Misturaram-se aos jogadores, e o campo transformou-se numa turva multidão colorida.

Logo após a invasão de palhaços, viu-se chegar outra multidão de palhaços, mais coloridos ainda, trazendo consigo pedaços de engrenagens e estruturas desmontáveis, retiradas de grandes caminhões estacionados nos arrabaldes dali.

Os jogadores do time preto e do time vermelho já não se distinguiam do juiz de branco. Mesclaram-se de tal forma entre os palhaços que pouco se poderia diferenciar.

As engrenagens e estruturas foram rapidamente montadas. Enquanto isso, os jogadores do time vermelho e do time preto ficaram imóveis, assim como o juiz de branco, no meio daquela multidão de palhaços - apenas conseguiam mover um dos braços para coçar o nariz de quando em vez.

Apesar de olharem para o espetáculo, jogadores e juiz nada viam por baixo da grande lona azul que se estendia altiva aos soalhos de seus olhos.

Passados alguns dias, as estruturas foram desmontadas e os palhaços que entupiam o campo foram ordenadamente se retirando. Um a um, formaram uma disciplinada e grande fila indiana.

A forma de retirada causou forte impressão nos jogadores do time vermelho e do time preto, assim como no juiz de branco. Que se entreolharam - não sem certo assombro.

Melancólicos por alguns instantes, os dois times e o juiz pararam de especular sobre os motivos de o circo ter partido assim, tão de repente. O juiz deu por encerrado o jogo, pois não lembrava se o gol que havia validado era do time preto ou do time vermelho. Àquela altura do campeonato, isso pouco importava.

A bola - a mais resignada das esferas - já não tinha dono e foi largada no campo, onde repousou tranquilamente por longos dias, à revelia das voltas da esfera terrestre.

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* Telas da pintora paquistanesa Asma Ahmed Shikoh.