"Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido - sem saber porquê.
E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus.
Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado.
Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade.
Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não- significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal.
Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais."
____________________
* Pedaço de Fernando Pessoa. In: "Livro do Desassossego".
29/03/2009
23/03/2009
O último Grão-de Era
Do tempo que escorria,
O homem da Ampulheta.
As paredes de vidro
Eram lisas como lodo
- Escorregafrias...
Tudo era estanque
Naquele "ir"...
Que ia sem vir.
Vagarosamente partia.
Mas, era só aparente,
Pois veloz era.
Foi. Pra baixo, foi.
Inevitalvelmente iria...
- Como persona das Eras.
Despejou-se por cima
De toda matéria insólita de baixo,
Que eram todas as Eras que já eram.
Que foram pra baixo.
Que, inevitavelmente, foram.
Pois o destino é ir.
E, esperaram a mão benevolente
Que entornaria a ampulheta;
Mas, esperaram em vão, as Eras.
Em vez de mãos, caíram pés.
Os pés daquele homem
Que deslizara...
Que deslizara inerte,
Indiferente às eras que pisava,
No seu desejo impávido de voltar!
Indiferente ao que havia embaixo,
Olhava desejoso pra cima...
E via o último Grão-de-Era, que vinha...
Que caía...
E o homem da Ampulheta
Bêbado de angústia, atirava pra cima,
Em vão, aquele último grão
Que tornava a cair...
E subir...
E cair...
E subir...
E cair...
O homem da Ampulheta.
As paredes de vidro
Eram lisas como lodo
- Escorregafrias...
Tudo era estanque
Naquele "ir"...
Que ia sem vir.
Vagarosamente partia.
Mas, era só aparente,
Pois veloz era.
Foi. Pra baixo, foi.
Inevitalvelmente iria...
- Como persona das Eras.
Despejou-se por cima
De toda matéria insólita de baixo,
Que eram todas as Eras que já eram.
Que foram pra baixo.
Que, inevitavelmente, foram.
Pois o destino é ir.
E, esperaram a mão benevolente
Que entornaria a ampulheta;
Mas, esperaram em vão, as Eras.
Em vez de mãos, caíram pés.
Os pés daquele homem
Que deslizara...
Que deslizara inerte,
Indiferente às eras que pisava,
No seu desejo impávido de voltar!
Indiferente ao que havia embaixo,
Olhava desejoso pra cima...
E via o último Grão-de-Era, que vinha...
Que caía...
E o homem da Ampulheta
Bêbado de angústia, atirava pra cima,
Em vão, aquele último grão
Que tornava a cair...
E subir...
E cair...
E subir...
E cair...
08/03/2009
Poética da chuva
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