11/10/2008

A fome de dias depois

Aquele ser não tinha nome. Nem números. Ouvira certa vez um nome, que já lhe parecia, agora, algo estranho e irreconhecível. De um reconhecimento breve e distante, que não sabia identificar ao certo de onde provinha. Tudo lhe era estranho.

Comia restos quando restava algo nos tambores de plástico que repousavam gordos nos magros asfaltos. Dia a dia, mais menos restos lhe restava. Sobravam-lhe as faltas de resto, que devorava como se fossem belos pratos nobres. Não distinguia gostos, pois os deuses lhe subtraíram as faculdades do paladar.

Sua sorte é que lhe restavam as pernas (apesar de só possuir um braço e meio). Embora magras, serviam-lhes para seu único objetivo: andar em busca de restos de pedaços.

E assim passavam seus dias trôpegos.

Quando, porém, viu-se na metrópole dos desertos, ele já não encontrava nem pedaços de restos. Menos e menos tambores de restos lhe cruzavam o caminho. Sedento de fome (que lhe era o único motor de sua existência), ele caminhava.

E caminhava, caminhava...

Já não tinha resto com que se deleitar. Sobravam-lhe todas as faltas de pedaços. Na falta plena, passou a comer seus próprios produtos: as fezes.

Porém, a cada dia obrava menos. Passou, então, a armazenar os excedentes de sua produção. Estocava-os para comer sempre que sentisse fome. E comia embuído com muita dignidade aquela pasta marrom que acumulava em sacos plásticos envelhecidos pelo calor e pelo tempo.

No entanto, percebeu que a cada dia sua produção diminuía mais e mais. Lembrara-se da única vez que haviam lhe ensinado alguma coisa. Lembrava, ainda que vagamente, uma frase:

"Seus órgãos consomem seus alimentos."

Não sabia ao certo o que eram órgãos. Mas, sabia que essas coisas estavam dentro de seu corpo. Elaborou, entredentes, um plano, chegando à uma conclusão:

"Ou acabo com esses malditos órgãos, ou eles acabam com meus alimentos."

E, assim, detalhou seu plano riscando desenhos no chão das areias-de-seu-deserto.

Assim, iniciou seu plano, rasgando a barriga e retirando pedaços de carne (que sangravam muito). Fora juntando esses pedaços enquanto retirava outros mais. Ao fim do processo, estava tonto e com fome.

Recostou as carnes da barriga, e envolveu-as com um pano velho e sujo que havia preparado especialmente para aquela ocasião.

Ao fim, deitou para descansar um pouco. Minutos depois, acordou, e sentia muita fome. Vendo todas aquelas suculentas carnes que repousavam ainda quentes ao seu lado, devorou-as como nunca antes havia se deleitado...

No dia seguinte, percebeu que de fato sua massa fecal havia aumentado. Percebeu que seu idéia tinha sido genial, e dado mais do que certo.

Passou alguns dias sem andar, pois estava muito fraco. Mas, logo se sentiu revigorado - e obrando como nunca. Jamais tivera banquetes tão ricos.

Ele regressou de seu deserto, para ter com os outros seres. Sua aparência nunca fora das melhores. Agora, então, estava pior que nunca. Envelhecera rapidamente. No seu trajeto, retornando do seu deserto, não encontrara nenhum'alma viva - que dirá corpos...

Desfaleceu-se pouco a pouco, nas bordas de seu deserto. Avistara entre o sol e a sombra, um corpo de homem. Era semelhante a um componente de algum órgão do ministério, pois vestia farda, e estampava um brilhante crachá...

Tal homem, possesso que estava de piedade, resolveu dar cabo no sofrimento que supunha ser o daquele ser, aplicando-lhe golpes certeiros em sua cabeça, com um porrete de pau enorme - em nome de Deus.

Dias depois, estavam alguns outros seres a devorar aquele corpo-sem-órgãos.

2 comentários:

Karol disse...

tais vivo?
estou sem tempo.
viva?sei lá.
:)

Karol disse...

achei uma viagem esse texto,não significa que seja ruim,até gostei...mas não deixa de ser uma viagem da porra.;DD

"Sua sorte é que lhe restavam as pernas (apesar de só possuir um braço e meio). Embora magras, serviam-lhes para seu único objetivo: andar em busca de restos de pedaços."
(Y)