01/07/2008

Armila: a Cidade das Ninfas

"Ignoro se Armila é dessa maneira por ser inacabada ou demolida, se por trás dela existe um feitiço ou um mero capricho. O fato é que não há paredes, nem telhados, nem pavimentos: não há nada que faça com que se pareça com uma cidade, exceto os encanamentos de água, que sobem verticalmente nos lugares em que deveria haver casas e ramificam-se onde deveria haver andares: uma floresta de tubos que terminam em torneiras, chuveiros, sifões, registros. A céu aberto, alvejam lavabos ou banheiras ou outras peças de mármore, como frutas tardias que permanecem penduradas nos galhos. Dir-se-ia que os encanadores concluíram o seu trabalho e foram embora antes da chegada dos pedreiros; ou então as suas instalações, indestrutíveis, haviam resistido a uma catástrofe, terremoto ou corrosão de cupins.

Abandonada antes ou depois de ser habitada, não se pode dizer que Armila seja deserta. A qualquer hora do dia, levantando os olhos através dos encanamentos, não é raro entrever uma ou mais jovens mulheres, esbeltas, de estatura não elevada, estendidas ao sol dentro das banheiras, arqueadas debaixo dos chuveiros suspensos no vazio, fazendo abluções, ou que se enxugam, ou que se perfumam, ou que penteiam os longos cabelos diante do espelho. Ao sol, brilham os filetes de água despejados pelos chuveiros, os jatos das torneiras, os jorros, os borrifos, a espuma nas esponjas.


A explicação a que cheguei é a seguinte: os cursos de água canalizados nos encanamentos de Armila ainda permanecem sob o domínio de ninfas e náiades. Habituadas a percorrer as veias subterrâneas, encontram facilidade em avançar pelo novo reino aquático, irromper nas fontes, descobrir novos espelhos, novos jogos, novas maneiras de desfrutar a água. Pode ser que a invasão delas tenha afastado os homens, ou pode ser que Armila tenha sido construída pelos homens como oferta para cativar a benevolência das ninfas ofendidas pela violação das águas. Seja como for, agora parecem contentes, essas moças: cantam de manhã."
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Pedaço de
As Cidades Invisíveis - Ítalo Calvino.

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