16/04/2008

Carta a um interlocutor invisível

Prezado,

concordo que existe um "jogo político" na mídia atual, não tenho muitas objeções a lhe fazer quanto a isso.

Minha objeção é quanto a essa "dominação" a que você faz menção, em sua perspectiva histórica. Mas, essa é uma discussão que foge um pouco do tema. No entanto, vamos lá, apenas para prestar alguns esclarecimentos prévios.

Não acredito que a tal "subserviência" que você menciona seja indiscutível. Acho sim que é bastante discutível, inclusive.

Digo isso pelo seguinte: essa perspectiva Dominados X Dominantes, é uma perspectiva oriunda do marxismo e seus braços. Ou seja, é uma perspectiva datada historicamente, e bastante recente por sinal.

Não quero dizer que não houve contestações populares ao longo da História da humanidade. Seria um contrasenso dizer isso.

Apenas acredito que, em muitos processos e épocas históricas, o "povo" era quem legitimava a existência de um poder vertical.

Vou lhe dar um exemplo histórico, para não ficarmos orbitando.

Na época das monarquias absolutistas, na França (séculos XVII e XVIII, principalmente), existia um dispositivo de poder que era o seguinte:

as chamadas "Lettre de Cachet", que eram simplesmente as petições de prisão na Monarquia Absolutista.

Ora, muitas dessas ordens de prisão provinham do povo (quando não sabiam escrever, o que era comum, contratavam um escrivão), que se dirigiam ao poder Absoluto da monarquia. Era como se as "pessoas comuns" tomassem para si, em proveito próprio, os mecanismos de poder do Estado, compreendes?

Explico melhor: nas querelas entre familiares, vizinhos, ou seja, na vida cotidiana das pessoas, algumas redigiam petições de ordens de prisão ao monarca, solicitando deste que se utilizasse de "Seu" poder para excluir da sociedade indivíduos que representassem algum tipo de mal.

Vou transcrever um trecho uma dessas cartas, de uma mulher abandonada, solicitando a prisão de seu marido:

"(...) que talvez nada tenham a esperar de seu pai senão um exemplo terrível dos efeitos da desordem. Sua Justiça, Sire, lhes poupará de uma aviltante instrução, a mim, à minha família o opróbrio e a infâmia, e colocará fora do estado de fazer qualquer dano à sociedade um mau cidadão que não pode senão causar-lhe dano."

Isto quer dizer que a tal "Soberania" política, efeito de uma tal "subserviência" se coloca dessa forma no nível mais elementar do corpo social. De baixo. Entre os súditos, entre os servos, entre os que são "subservientes".

Meu caro, com isso quero apenas ilustrar meu pensamento. Não acredito em "inocência" do povo.

Está claro neste exemplo que dei, de como as "pessoas comuns" tomam para si um poder institucional e vertical quando lhes convém. Teriam outros exemplos, mas, para não me estender demais (já me estendi, por sinal!), ficarei só nele, ao menos por enquanto...

Quero dizer, em suma, que não acredito nessa "subserviência", pois acho que os dispositivos de poder atravessam a sociedade em todos os sentidos, de cima para baixo, de baixo para cima, de um lado para o outro, se apropriando quem quer que seja de todos os mecanismos disponíveis na hora em que estes lhes convém.

Até breve!

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