23/04/2008

O homem que pedia

ANDANDO PELA RUA, Matos procurava emprego. Arrumado à boa aparência, ele pegava um ônibus e se ia para o calor do Centro da Cidade achar um serviço – o qual, não sabia. Mas ia. O que aparecesse pegaria. Todos os dias, Matos ia. E, todos os dias, passando pela Praça do Derby, cruzava o pedágio para adentrar nas ruas sagradas do Centro. Pagava seu Sagrado compulsório passaporte de entrada (sem saber por quê...) e se ia Matos. Passara-se quase duas semanas e não arrumara emprego. Arranjou um serviço de uma tarde certa vez, mas só lhe deu trabalho – lucro nenhum. O que piorava sua situação era a repetição cotidiana do rosto do cidadão fardado que trabalhava no Pedágio do Derby (do qual tanto comentavam na sua cidade!) olhando imperativamente para Matos, que sacava a carteira e lhe pagava os três reais de entrada, e, ia procurar trabalho andando. No penúltimo dia para completar duas semanas que se jogava ao Centro da Cidade, Matos, no momento em que entregava o dinheiro do pedágio nas mãos do cidadão fardado, puxou de volta sua mão para si, com o dinheiro em punho, e perguntou-lhe: “Haveria por algum acaso algum trabalho para mim?”, ao que lhe respondeu o cidadão fardado: “Por acaso me perguntaste isto antes? Este emprego é seu desde o primeiro dia. Eu não havia lhe dito?” E, entregando-lhe em mãos uma farda semelhante à sua, apenas mais envelhecida, apontou-lhe uma cabine igual à sua ao longe à direita, dizendo-lhe: “Eis a tua cabine ao largo, onde assumirás teu posto de Pedinte-em-experiência do Estado Público. Há muito serviço para nós. Há também um abrigo, caso precises, com sopa rala à noite e bolacha no café. Tenha um bom dia.”

2 comentários:

Sr. Anísio disse...

Vou ter com esse homem também... Um amigo noso disse um dia que era um intelectual de 300 contos, eu, nem mais. Acho que vou pegar esse trampo mesmo. Bju cão

Luciana Cavalcanti disse...

...e como se não me bastasse o texto ser bom (bom mesmo!), venho comentá-lo e encontro a fala de um certo Sr. Anísio!!!
Intelectuais de 300 contos...e mendigos-funcionários-do-Estado...!
Bons encontros.